Dentro de mais alguns dias, as primeiras 26 famílias do Jardim Colorau I, na Zona Leste de Sorocaba, deverão assinar documentação necessária para a finalização do processo de obtenção dos documentos de posse de seus imóveis. São pessoas que, há cerca de quarenta anos, foram para o local, uma antiga fazenda, e deram início a um conjunto de bairros contíguos – Vila Zacharias, João Romão, Sabiá e o próprio Colorau.
Naquela época, os compradores dos lotes só não sabiam que a terra era ‘grilada’ e que algum tempo depois de a maior parte da área ter sido vendida, os responsáveis desapareceriam. O que ficou foi uma ação de reintegração de posse por parte dos verdadeiros donos e as vidas de centenas de famílias que penhoraram suas expectativas num futuro mais promissor no interior de São Paulo.
Segundo a chefe da Divisão de Regularização da Secretaria da Habitação e Regularização Fundiária (Sehab), Daniele Teixeira de Lemes, assim que vencer o prazo para contestação da doação das áreas – o que termina nesta semana – começa o chamamento para assinatura dos contratos que, em seguida, serão chancelados pelo prefeito Antonio Carlos Pannunzio e pela titular da Sehab, Julia Galvão Andersson. O passo final é o envio dos processos para o cartório, que elaborará a certidão do imóvel.
Pelos cálculos de Daniele Teixeira, até agosto, essas famílias do Coloral I – juntamente com outras 325 dos bairros adjacentes que já cumpriram as formalidades – deverão receber os termos de posse e, assim, encerrar um episódio de incertezas em suas vidas: pois terão as certidões de posse de seus imóveis.
Além do Coloral I, a Prefeitura de Sorocaba, por meio da Sehab, também entregará mais 119 do Colorau II; 18 de famílias do João Romão; 15 do Zacharias; 02 da Vila Sabiá; além de 126 certidões do “Júlio de Mesquita Filho”; 22 de moradores do Jardim Nova Esperança; 14 do Jardim Ipiranga e 9 do Novo Horizonte.
Uma história
O longo tempo decorrido, aliado às agruras vividas, já não mais permite uma memória excepcional. A consciência da atual realidade, porém, conforta a existência de dona Geralda Gonçalves de Lima, de 70 anos, que divide seus dias com a filha Lindaura Pereira, de 51 anos, e o marido Nerciano da Costa Lima, de 75 anos, que há seis está acamado por conta de dois derrames cerebrais (Acidente Vascular Encefálico – AVE). Apesar das dificuldades, a certeza de que o imóvel onde mora é seu faz com que o cotidiano tenha algum conforto. “A Prefeitura que ajudou a gente. Demorou, mas a gente conseguiu”, disse.
Dona Geralda é uma das centenas de mulheres que, há mais de quarenta anos, chegaram a Sorocaba com suas famílias para ocupar uma antiga fazenda. As economias juntadas serviram para comprar o pedaço de chão e o trabalho do marido, barbeiro, foi o que sustentou a obra da pequena residência, erguida ao longo de três anos. Foi assim que ela, os cinco filhos e o patriarca vieram para cá e ajudaram a fazer nascer e crescer a região onde estão instituídos os bairros Colorau, Vila Zacharias, João Romão e Sabiá.
O que a família não sabia, porém, é que com o sonho da moradia compravam uma terra que só viria a lhes pertencer, de fato, décadas depois. A área era grilada e, como na maioria das situações dessa natureza, os vendedores um dia sumiram deixando todos os novos moradores sem dinheiro, sem rumo e sem perspectivas.
Foi o tempo também que acabou aplacando a angústia, mas não a ansiedade, pela segurança da posse daquilo que já lhes pertencia de fato. O direito foi garantido recentemente. O casal Nerciano e Geralda recebeu a certidão e o termo de posse do imóvel no final do ano passado, dentro do programa de regularização fundiária da Prefeitura de Sorocaba. “Agora, a gente sabe que os filhos poderão ficar com a casa, porque foi uma vida trabalhando para construir isso aqui”, reiterou dona Geralda.
Apesar de alguma confusão, Nerciano conta que veio para Sorocaba porque toda a vizinhança, em São Paulo, estava vindo para cá. Ele nem imaginava como era a cidade. Trabalhou muito, alimentou esperanças e trouxe a mulher e os filhos para cá, onde continuou a atender como barbeiro, num cômodo especialmente construído para isso.
Ele chora quando lembra da situação que o colocou na cama, eliminando as possibilidades de se manter ativo. Mas, recuperando-se da emoção, fala da alegria em poder ter o documento de sua casa e assume: “na verdade, eu sou um milionário. Tudo o que a vida fez para me atrapalhar, eu venci”.